* Por Marcelo Ribeiro Lima
Introdução
Ao longo do século XX, nomes como Walter Lippmann, Edward Bernays, Joseph Goebbels e George Orwell moldaram a compreensão moderna da opinião pública e da propaganda. Enquanto Lippmann e Bernays teorizaram e sistematizaram a manipulação em sociedades democráticas, Goebbels a levou à sua expressão mais brutal e totalitária no regime nazista. Orwell, por sua vez, soou o alarme sobre o preço final desse controle. Suas ideias, somadas, convergem dramaticamente nos fenômenos políticos contemporâneos que fundem o método científico de Bernays, a eficácia brutal de Goebbels e o cenário distópico de Orwell, tudo potencializado por algoritmos, redes sociais e desinformação em massa.
- Walter Lippmann e o nascimento do “pseudoambiente”
Em Public Opinion (1922), Lippmann observou que o cidadão moderno não reage à realidade em si, mas a imagens mentais filtradas pela imprensa e pela propaganda. Como o mundo é complexo demais, o ser humano cria simplificações — pseudoambientes — para se orientar.
“Vivemos num mundo que nunca vimos, e fazemos juízos baseados em imagens que jamais experimentamos diretamente.” — Walter Lippmann, 1922.
Para Lippmann, a democracia moderna não poderia depender de um público plenamente informado — isso seria utópico. Assim, a opinião pública deveria ser “guiada” por elites especializadas, capazes de moldar percepções e garantir estabilidade social. Ele diagnosticou a manipulação como inevitável numa sociedade de massas.
- De Bernays a Goebbels: A Engenharia do Consentimento e a Propaganda Total
Edward Bernays, sobrinho de Freud, transformou o diagnóstico de Lippmann em método aplicável. Em Propaganda (1928), ele defendeu a “manipulação consciente e inteligente” das opiniões como um pilar da sociedade democrática, uma “engenharia do consentimento” que usava a psicologia para vincular produtos, ideias ou políticos aos desejos inconscientes das massas.
Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda de Hitler, estudou as técnicas de Bernays e as aplicou com uma eficiência terrível, removendo qualquer resquício de ética. Se Bernays vendia cigarros como “tochas da liberdade” — numa campanha que associava o ato de fumar à emancipação feminina, incentivando mulheres a fumarem em público como um símbolo de liberdade e desafio às normas sociais —, Goebbels vendia ódio e um líder messiânico. Seu princípio era simples: uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Goebbels dominou o uso de:
* Inimigos Únicos: Canalizar todo o ódio para um único alvo (o judeu, o comunista).
* A Grande Mentira: Afirmar absurdos com convicção total, pois seriam mais difíceis de refutar.
* Orquestração: Garantir que todas as mídias transmitissem a mesma mensagem unificada.
Assim, a “engenharia do consentimento” de Bernays encontrou, em Goebbels, sua realização mais sinistra: a fabricação do consentimento forçado através do medo, do ódio e da supressão de qualquer voz dissonante.
- Orwell: O Alerta sobre o Preço Final da Manipulação
Enquanto Lippmann e Bernays tentaram racionalizar o controle e Goebbels o implementou com violência, George Orwell mostrava seu custo último para a humanidade. Na obra 1984 (1949), ele descreveu um mundo onde o domínio da narrativa leva à dominação total da mente. O “Grande Irmão” e o “Ministério da Verdade” são a fusão do estado totalitário de Goebbels com a manipulação psíquica antevista por Bernays.
Orwell não viu a manipulação como um instrumento de ordem ou uma ferramenta de marketing, mas como o caminho para a servidão mental. O que Bernays considerava “organizar o caos” e Goebbels via como conquista do poder, Orwell enxergava como a destruição da própria realidade compartilhada e da verdade objetiva.
- Os Novos Movimentos Políticos: A Fusão Goebbels-Bernays na Era Digital
Os movimentos políticos contemporâneos aprenderam com todos eles. Eles atualizaram o projeto de Bernays com as táticas de Goebbels e as armas de Orwell, tudo potencializado pelas redes sociais.
* Do Pseudoambiente de Lippmann surgiram as bolhas algorítmicas, onde os usuários vivem em realidades paralelas.
* Da Engenharia do Consentimento de Bernays nasceram os influencers políticos e o marketing digital, que vendem ideias como produtos, explorando emoções e vieses.
* Do Manual de Goebbels – em sua estrutura retórica nazista – veio o playbook emocional: a criação de inimigos únicos (“globalistas”, “ativistas radicais”), o uso da Grande Mentira (“teorias de conspiração”, “narrativas de fraude eleitoral”) e a repetição incessante de slogans simplistas e emotivos (como “O povo contra as elites”, ou “Nós somos a verdadeira resistência” – adaptações contemporâneas da mesma técnica).
Eles compreenderam que, no século XXI, a manipulação goebbeliana não precisa mais da coerção estatal. Ela ocorre por adesão voluntária em plataformas que lucram com o engajamento. O cidadão acredita estar “livre”, mas é um consumidor de um pseudoambiente que reforça suas crenças mais profundas. O “Grande Irmão” de Orwell tornou-se o grande algoritmo das redes sociais, que não precisa te vigiar, pois sabe o que você deseja ouvir.
- O Paradoxo Final: O Encontro entre a Técnica e a Tirania
O século XXI realizou a fusão profética: a sofisticação da “engenharia do consentimento” de Bernays aliou-se à orquestração emocional de Goebbels e à profecia distópica de Orwell.
O resultado é um novo tipo de dominação — não estatal, mas cognitiva. As massas não são mais oprimidas apenas pela censura, mas seduzidas e radicalizadas pela emoção e pelo pertencimento. O medo cede lugar ao entusiasmo fanático; a obediência, ao engajamento compulsivo. O cidadão deixa de ser um sujeito racional e torna-se um devoto digital, um repetidor voluntário da propaganda.
Conclusão
Lippmann descreveu a vulnerabilidade da opinião pública. Bernays transformou essa vulnerabilidade em técnica. Goebbels demonstrou seu poder absoluto quando aliada ao estado. Orwell mostrou o abismo moral que esse caminho leva.
Os movimentos da nova era autoritária, por sua vez, aprenderam a sintetizar esse conhecimento sombrio: manipulam pela emoção (Bernays), organizam o ódio e a mentira (Goebbels) e prosperam no caos informacional que dissolve a fronteira entre fato e ficção (Orwell).
Se o século XX criou o “Grande Irmão” estatal, o século XXI criou algo aparentemente mais descentralizado, mas não menos perigoso: milhões de pequenos Ministérios da Verdade, cada usuário um vetor potencial de desinformação, cada um repetindo, compartilhando e acreditando cegamente na realidade fabricada que deseja consumir. E, como previram todos eles, o resultado é o mesmo: uma democracia de massas intoxicada, incapaz de distinguir o real do fabricado e, portanto, incapaz de exercer sua “própria soberania”.
*Servidor público federal, com pós-graduação na área do Direito, após dedicada análise acerca da manipulação da sociedade e o surgimento de fenômenos políticos contemporâneos
Uma Resposta
Parabéns pelo trabalho!
É uma análise profunda, clara e que merece ser lida por todos que se preocupam com a saúde da democracia e do pensamento crítico.
Leitura fundamental para entender por que as pessoas estão vivendo em “bolhas” e aceitando as verdades que lhes são oferecidas.