A repercussão da declaração de Abel Braga, ao associar a cor rosa a um xingamento homofóbico durante sua apresentação no Internacional, ultrapassou a esfera individual e reacendeu discussões estruturais sobre cultura, integridade e responsabilidade no futebol brasileiro. Apesar da retratação pública, o episódio expõe a distância ainda existente entre as políticas formais de governança dos clubes e a prática cotidiana em seus ambientes internos.
Nos últimos anos, equipes da Série A, às divisões inferiores vêm implementando programas de compliance, integridade e conduta, impulsionados pela profissionalização das SAFs e pela necessidade de adequação a padrões de governança exigidos pelo mercado e por investidores. No entanto, especialistas apontam que, sem mudança cultural, tais programas correm o risco de se tornarem apenas medidas administrativas, distantes da realidade dos vestiários.
Em análise do caso, a advogada capixaba Edinalva Gomes, especialista em Direito Desportivo, sócia — fundadora do escritório Gomes e Bento Advogados, o caso Abel evidencia esse descompasso. “Enquanto clubes reforçam campanhas de inclusão e lançam protocolos de diversidade, declarações que reforçam estereótipos e preconceitos ainda encontram espaço na maior vitrine esportiva do país. A situação também reabre discussões sobre a necessidade de formação contínua para atletas, comissões técnicas e dirigentes, além de políticas que abordem a diversidade sob uma perspectiva interseccional”.
No contexto do futebol feminino, o episódio ganha contornos ainda mais significativos. Jogadoras convivem com estigmas de gênero, desigualdade estrutural, questionamentos sobre capacidade técnica e ataques ligados à orientação sexual, problemas que evidenciam como a discriminação permanece enraizada no esporte. Para profissionais do setor, o discurso de Abel não é um fato isolado, mas sintoma de um ambiente que historicamente naturalizou exclusões. “Com a expansão das SAFs, a preocupação também é econômica: declarações de dirigentes ou treinadores podem gerar impacto direto sobre reputação, relacionamento com marcas e credibilidade institucional. Por isso, especialistas apontam que boa governança exige coerência entre discurso e prática, e não apenas notas de desculpas ou ações simbólicas”, explica.
O episódio, que rapidamente viralizou nas redes e dividiu opiniões, deixa uma mensagem clara: o futebol brasileiro está em transição, mas a modernização administrativa não será suficiente se não vier acompanhada de mudança comportamental e educacional. “À medida que o futebol feminino cresce, ganha visibilidade e pressiona por ambientes mais justos, a expectativa é que o debate avance para além da polêmica. A pauta agora é estrutural, contínua e urgente: garantir que o esporte seja um espaço de respeito, diversidade e integridade, dentro e fora de campo”.
Diante desse cenário, torna-se imprescindível que o futebol brasileiro, em todas as suas esferas, assuma um compromisso ativo com a transformação. Não se trata somente de reagir a episódios isolados, mas de construir políticas sólidas que enfrentam preconceitos estruturais e promovam ambientes realmente seguros e inclusivos.
A defesa da diversidade, do respeito e da integridade não é pauta acessória: é diretriz ética de um esporte que influencia milhões e que precisa liderar pelo exemplo. Ao reivindicar mudanças profundas e sustentáveis, reafirmamos que um futebol mais humano, plural e responsável não é somente possível, mas necessário para o futuro do jogo e para a sociedade que o constrói e o consome.


















