*Por Pinheiro Neto
Há algo de especial na geração dos anos 80. Talvez seja o equilíbrio entre a simplicidade da vida e a intensidade das relações. Talvez seja o fato de termos vivido um tempo em que o mundo era mais lento, mas as pessoas se olhavam nos olhos.
Era uma época em que a vida acontecia na rua, nas calçadas, nas esquinas.
Brincava-se de taco, jogar bola, esconde-esconde, pular corda e pega-pega até o poste acender.
As amizades nasciam das risadas, dos tombos e dos segredos divididos com nossos melhores amigos.
O mundo era analógico, mas o afeto era digital, transmitido em tempo real, olho no olho, coração com coração.
A televisão era o grande ponto de encontro da sociedade.
A Sessão da Tarde era um ritual coletivo.
Quase todos assistiam aos mesmos filmes: A Lagoa Azul, De Volta para o Futuro, Karatê Kid, Loucademia de Polícia, Herbie – Se Meu Fusca Falasse, Edward Mãos de Tesoura e até Sexta-Feira 13, que nos fazia dormir com um olho aberto, achando que o Jason poderia aparecer a qualquer momento.
Esses filmes, além de diversão, formavam parte da memória coletiva de um país.
No dia seguinte, na escola ou no trabalho, todos falavam das mesmas cenas, das mesmas piadas, das mesmas emoções.
Havia um senso de pertencimento.
As novelas, os programas de auditório e os comerciais eram parte dessa mesma comunhão cultural.
Vale Tudo, Roque Santeiro, Tieta, Os Trapalhões, Domingão do Faustão e o Silvio Santos faziam parte da rotina nacional.
E o país inteiro parava para descobrir “quem matou Odete Roitman”.
Todos compartilhavam as mesmas referências, as mesmas trilhas sonoras, os mesmos bordões.
Vivíamos em sintonia.
Hoje, vivemos em outra lógica.
Na mesma casa, cada pessoa assiste a uma série diferente, em uma tela diferente, no mesmo sofá, mas em mundos completamente separados.
As famílias estão sob o mesmo teto, porém desconectadas por dentro.
O diálogo, que antes surgia naturalmente, agora precisa ser forçado.
Já não há mais o “você viu o filme de ontem?”, porque cada um vive no seu próprio universo de streaming.
A memória coletiva se fragmentou em milhões de pequenas bolhas pessoais.
A internet aproximou o ser humano das informações, mas o afastou das relações.
Conectou o mundo, mas desconectou as pessoas.
Hoje, sabemos o que acontece do outro lado do planeta, mas muitas vezes desconhecemos o que se passa dentro da nossa própria casa.
Vivemos a era da comunicação instantânea, mas da escuta ausente.
O toque foi substituído pela notificação; o olhar, pelo emoji.
Nos anos 80, a espera fazia parte da vida.
Esperávamos nossa vez na fila do orelhão, contando as fichas para ligar para alguém especial. Esperávamos o telefone tocar, o filme voltar a passar, a fita rebobinar.
E, nesse tempo de espera, aprendíamos o valor da paciência, da curiosidade e da imaginação.
Hoje, tudo é imediato, porém, quase tudo é passageiro.
A infância daquela geração foi a última a brincar livremente nas ruas, a última a conhecer o tédio, a última a inventar o próprio entretenimento.
Vivemos uma transição única: fomos a ponte entre o mundo do toque e o mundo do toque na tela.
O progresso trouxe conforto, praticidade e acesso.
Mas também trouxe pressa, superficialidade e solidão.
O mundo ficou mais moderno, informado e digital, mas as relações esfriaram.
O calor humano cedeu espaço ao brilho frio das telas.
A geração dos anos 80 aprendeu o valor da presença, da convivência e do tempo compartilhado.
Talvez por isso sinta falta do que, na época, nem percebia ter: a riqueza da simplicidade, o poder do olhar, a força dos laços reais.
Hoje, o grande desafio não é mais conquistar informação, é reconquistar conexão.
Reconectar-se com o outro, com o tempo, com a essência.
Porque progresso de verdade não é ter tudo ao alcance dos dedos.
É continuar tendo alma, vínculos e propósito mesmo quando o mundo inteiro cabe em uma tela.
A geração dos anos 80 é a lembrança viva de um tempo em que o simples era grandioso,
e o humano, ainda humano.
Por isso, quem viveu os anos 80 possui a responsabilidade de alertar a nova geração que a vida real acontece fora das telas.
Acontece ao redor da mesa, nas conversas de verdade, nos olhares sinceros, nas risadas espontâneas, no toque, no tempo compartilhado.
Não permita que o entretenimento de um reels engraçado roube a atenção daqueles que estão ao seu lado, esperando o teu carinho, tua escuta, tua presença.
No fim das contas, o que realmente encanta não são as visualizações, os likes ou os comentários.
O que toca o coração é a simplicidade de uma relação honesta, viva e verdadeira.
Porque no meio de um mundo cada vez mais virtual, o maior ato de coragem é continuar sendo real.
*Empresário e ex-Secretário de Cultura e Turismo de Canoas
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Exatamente isso
Vivemos uma geração privilegiada