A promessa não era a felicidade

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Este texto foi escrito em 2010, já havia caminhado seis anos em recuperação, dia das mães em maio estarei completando 20 anos de uma caminhada, que só me trouxe prazer e, sim, muita responsabilidade.

Sobre o futuro?

Não sei!

Ele não me pertence, mas no hoje, eu já ajudei a construir muitos futuros, principalmente o meu.

Um dos maiores erros cometidos pelos recuperandos da doença do comportamento, e que nos levou ao uso abusivo das drogas e do álcool, causando a dependência química, é de acreditar que se estagnar o uso a vida será só felicidade. E é claro que não é isso que ocorre. Viver não é só felicidade e nós, dependentes ou não, nos relacionamos e isso provoca diversos sentimentos que podem nos causar tristezas e decepções.

Em um primeiro momento de uma recuperação é tudo ótimo, pois quem estava afogado no fundo do poço e consegue dar o primeiro passo, desperta nos amigos e familiares um amor com a graça do resgate e que achava que havia perdido.

Na grande maioria dos casos que presenciei e ainda presencio, esse sentimento de resgate é um ótimo remédio para os primeiros passos de uma caminhada. Isso é bom e ruim ao mesmo tempo. Para um dependente que super dimensiona as coisas, os familiares têm que ter muito cuidado com esse momento.

É preciso sim uma postura de profundo carinho e amor, mas não devemos em momento algum dizer para um adicto que está saindo de um tratamento e em resgate do comportamento que a partir do momento em que ele parar com o abuso das drogas sua vida será uma maravilha.

A maravilha que deve ser vista é que o milagre está acontecendo, e que levará uma vida inteira para se realizar. Ou alguém ainda não ouviu dizer que a doença da dependência é incurável? É preciso uma luta diária, pois o futuro representa um perigo. Quando pensamos no amanhã feliz acabamos por esquecer do hoje e da luta das 24 horas para nos mantermos em pé.

Aprender a lidar com as decepções do dia-a-dia é fundamental, e viver pensando que a vida é uma felicidade completa é ilusão. Então, temos que estar cientes que a luta é para nos manter em abstinência, custe o que custar, aconteça o que acontecer.

Esse é o Negão, nosso Leão da Montanha, um grande companheiro, em seu fiel silêncio de muitas reflexões

Olha a euforia…

Lembro desse jargão que os monitores usavam na Comunidade Terapêutica Fazenda Renascer, onde fiz minha caminhada, dada vez que eu estava super feliz e começava a rir ou querer fazer brincadeiras a mais. Vinha aquela voz que dizia: “Olha a euforia”. Eu ficava louco com aquilo em meu ouvido, brigava, xingava e não entendia e também não pedia explicações, pois fechava minha mente neste momento.

Já passados sete anos de caminhada, hoje sei o que queriam me dizer. Eles me alertavam para o equilíbrio da vida. Uma alegria exacerbada pode levar a uma recaída e uma tristeza também, que podem gerar uma depressão.

A felicidade que sonhamos está no equilíbrio com que enfrentamos as situações, quer sejam elas agradáveis ou não.

Enfrentei todos os tipos de alegrias e decepções nestes sete anos de caminhada e nem por isso voltei ou penso em usar álcool, ou drogas para mascarar a realidade que a vida apresenta.

O tal “olha a euforia” segue firme em minha mente para eu não esquecer nunca de onde vim e o que fiz. Sempre que estou muito alegre lembro disso e com as decepções que se apresentarem recorro “ao pensar antes de agir”, pois de cabeça quente com certeza não vou ajudar ninguém e muito menos a mim mesmo.

É isso, a felicidade não pode e não deve ser prometida. Ela está contida no viver com a plenitude da graça alcançada de ter sido liberto das amarras e do fundo poço onde estive metido durante anos.

Então, nunca prometa a alguém a felicidade, ela não depende de você. Depende de cada um que tenha maturidade. Ela está em viver e fazer o bem com dignidade e isso é algo muito maior e se chama SOBRIEDADE.

Sonho em chegar à sobriedade, mas ainda falta muito para isso, mas se me venci uma vez e derrotei o velho homem, posso me dar o direito de sonhar. Só por hoje, eu quero e preciso desse sonho.

FOTO DE CAPA: ano de 2004, quando fui buscar auxílio na Comunidade Terapêutica Fazenda Renascer, em Lomba Grande, São João do Deserto. Um vale encantado, eu com 49 quilos, pousando e aprendendo com os girassóis, que na ausência do sol, viram-se um para o outro em busca de energia.

Gratidão a Ivander (in memoriam) e Isolde Silveira, meus mentores na luta pela recuperação e também a todos que estiveram comigo pelo caminho, sozinho eu não consigo, juntos somos força.

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