Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais

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Eu sou muito feliz por ser pai. Quando meus filhos eram bem pequenos, eles viram a gravata da Chevrolet no meu Cobalt e perguntaram por que o meu carro tinha um morcego na frente. Lógico que não poderia ser por outro motivo: eu era o Batman! Eles me olhavam com os olhos brilhando, encantados com aquele pai herói de mentira. Eu gostei da brincadeira e comprei um Globo de Plasma, que eu chamava de “bola do poder”. Contava a eles que eu havia recebido uma bola com superpoderes do “Mestre da Magia” e que os raios dentro daquele Globo davam superpoderes para quem encostasse nele. Ao tocar no vidro, os raios pareciam se direcionar à ponta do meu dedo, deixando-a vermelha, e parecia mesmo, no escuro, que os raios entravam na pele. Um dia eu disse que eles já estavam grandes para receber os superpoderes, então levei o Globo de Plasma para um quarto escuro com fumaça de gelo seco. Meus filhos colocaram fantasias de super-heróis e tocaram no globo. Eles diziam que conseguiam sentir os superpoderes entrando neles e viam raios saindo pelas costas, enquanto corriam (raios feitos com papel laminado). Eles sempre olhavam para mim com admiração, com aquelas bolitas pretas grandes e brilhantes, cheios de vida e curiosidade. Como era bom ser o super-herói deles!

Meu coração de pai sempre esteve cheio de felicidade, e viver essa fantasia me fazia bem, porque eu sempre sonhei em ser um herói para meus filhos, mesmo não sendo. Quando fui assaltado junto com meu filho mais novo e o ladrão roubou a mochila dele, ele me perguntou por que eu não joguei o bumerangue no bandido. Foi ali que a imagem do herói começou a ruir. Meu filho ficou traumatizado, não queria mais sair de casa, pois fomos assaltados no nosso portão. Eu ainda não estava pronto para deixar de ser o herói que criei e, em uma atitude “heroica”, menti miseravelmente: comprei outra mochila igual e disse que o bandido havia se arrependido e devolvido a mochila. Meu filho ficou tão feliz que me pediu para o convidar para almoçar conosco em casa. O tempo passou, e o herói foi morrendo.

Meus filhos foram crescendo e foram adquirindo outros “heróis” ainda mais falsos do que eu: artistas e jogadores de futebol que admiravam e admiram, mas eu queria que não idolatrassem essas figuras. É difícil saber que eu não sou o herói de verdade que eu queria ser. Dói perceber que eles crescem e que aqueles olhos que antes brilhavam pelo pai agora veem em mim um coroa chato, que impõe limites e regula a carteira. A dor de ver que não sou mais visto da mesma maneira não magoa; ela faz parte do amadurecimento deles, que viraram adolescentes, e do meu, que preciso entender os novos tempos e que sou um cinquentão. Hoje a letra da música que diz “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais” faz cada vez mais sentido.

Ser pai é algo divino: não é sobre merecimento, é sobre entender que a vida não gira em torno de mim, mas de vidas que me importam muito mais do que a minha. Entendo que meus filhos veem que estou longe de ser o herói que imaginei, porém tenho tido e tenho muita sorte na vida, pois tenho um pai muito melhor do que eu jamais fui. Fui um adolescente rebelde, dei muito trabalho para meu pai; aposto que ele detestava meus “heróis”, ainda mais sendo roqueiro nos anos 80 e 90. A grande diferença é que meu pai é realmente o meu super-herói. Sempre foi e sempre será.

Ouço, vezes sem conta, frases como “O Dr. Aneron salvou a minha vida” ou, ainda mais impactante, “teu pai salvou a vida do meu filho”. Não há como normalizar nada disso, frases assim me emocionam e enchem de orgulho sempre que as escuto. Saber que meu pai não é apenas um pai maravilhoso, mas um excelente pediatra, torna meu herói ainda maior.

Muitas vezes eu sentia saudade da presença dele e queria estar com ele, mas sabia que não poderia ser egoísta e privar crianças com problemas de saúde de serem atendidas por um pediatra tão bom. Alguns me chamam de “filhinho de papai” e pensam que isso me ofende, mas não imaginam o orgulho que tenho de tudo o que meu pai fez e faz por mim. Mesmo com tanto amor, ele me orientou a ser independente e preparado para a vida, com lições sem as quais eu jamais poderia ser um pai de família.

Acredito que entender a paternidade me ajuda a entender a Deus, pois Ele é Pai. Um pai pode se decepcionar, pode castigar, pode dar sermão; mas jamais deixa de amar e de querer o melhor para o filho. E me refiro a quem é pai de verdade, não a qualquer genitor.

Eu entendo que minha alegria em ser pai, e em ter um pai tão maravilhoso, possa soar egoísta para quem não teve a mesma sorte, mas espero que compreendam que não existe nada mais especial na minha vida do que ser pai, e que não consigo fingir que não estou feliz com tudo o que vivi e continuo vivendo na paternidade, tanto na minha condição de filho quanto na de pai.

Obrigado ao meu pai por ser o meu herói, o melhor pai do mundo, hoje e sempre. Obrigado aos meus filhos por me fazerem a pessoa mais feliz de todo o mundo por ter o privilégio de ser pai deles. E obrigado a Deus, Pai de todos, por todas as bênçãos em minha vida; rogo que distribua tua paz e bênçãos aos corações de todos, amenizando saudades e tristezas, pois todos temos o Pai perfeito no céu, que pode parecer distante, porém não existe distância para o que carregamos no coração e que está sempre ao alcance de uma oração.

Dizer que amo meus filhos e o meu pai é muito bom fácil, pois é evidente o que sinto por eles. Difícil é se desculpar por todos os erros que cometi e cometo como filho e pai, mas me desculpo com a certeza que meu coração jamais teve a intenção de magoar pessoas que eu amo tanto.

Feliz dia dos pais para todos!

 

*O autor é advogado, jornalista e colunista do Notícias da Aldeia Canoas

5 Respostas

  1. Lindo demais. Obrigada por compartilhar conosco.
    Parabéns pelo seu dia e que Deus lhe abençoe grandemente hoje e sempre.
    Um abraço desta sua fã

  2. Lindo texto, meu amigo.
    Pode achar que não, mas garanto que teus filhos ainda te consideram o grande herói da vida deles.

  3. Parabéns pelo dia dos pais. Obrigado por compartilhar tão linda manifestação de humanidade, carinho e entusiasmo pela vocação de ser pai e reconhecendo pelo seu pai. Abração!

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