Obrigado, pai!
(Primeiro escrito após minha saída da Renascer. Publicado em 13 de maio de 2005)
Hoje, exatamente um ano após ter saído da Fazenda Renascer, lembro de meu depoimento, dado naquele domingo, 13 de maio, que, por coincidência, era Dia das Mães e Dia da Abolição dos Escravos no Brasil. Me vem à memória aquele momento em que olhei para os familiares na minha frente e para o meu pai, seu Vilmar, já em um estágio avançado de demência alcoólica. Dei meu depoimento de despedida aos companheiros e à casa que me acolheu usando a palavra adicto (ou escravo) como tema central de meu relato.
A partir daquele momento, parecia que não havia mais ninguém no salão, só eu e o meu pai. Comecei, então, a falar para ele, mesmo sabendo que já não entendia mais nada devido ao estado avançado da sua doença. Mesmo assim, falei que naquele Dia das Mães, a pessoa mais importante que estava ali naquele momento era ele, pois apesar de ter criado muito bem seus filhos e de ter sido um bom marido, não teve a oportunidade de conhecer o caminho da libertação do álcool.
Olhava para o meu pai e via o meu futuro se não tivesse conhecido a Fazenda Renascer e o caminho dos Doze Passos de reeducação comportamental. Naquele 13 de maio eu, o escravo, (adicto) só queria o abraço de alforria de meu pai e isso eu não poderia ganhar, pois ele não teve tempo para procurar o caminho da libertação. Mas bem, no fundo, de minha alma, sei que Deus fez com que meu pai entendesse o que eu queria dizer naquele dia, e ele estava orgulhoso por ver que, pela primeira vez em sua vida, o filho fazia alguma coisa certa.
Sei que aquele momento e a entrega do “Diploma de Bêbado Arrependido” (brincadeira), um documento para quem completa dez meses de casa, não garantiam coisa nenhuma. A maior luta é quando tu sais da Fazenda e vê que o “mundo real” continua o mesmo. Que as drogas estão cada vez mais populares, a violência, enfim, os problemas vão se apresentando. Mas hoje não tenho mais medo de problemas e os enfrento em abstinência, procurando a tão sonhada sobriedade.
Mas a principal coisa que me mantém em pé é o sorriso agradecido e sem dentes que meu pai me dá quando me vê e eu grito. “Como é que vai o meu almirante? ” Hoje é o primeiro Dia dos Pais sem o “almirante” Vilmar Danasceno Diniz Leite, meu pai e meu orgulho. Tenho certeza que ele continua olhando por mim de algum lugar, pois sinto sempre sua força e, com isso, prossigo na luta diária para tornar-me uma pessoa cada vez melhor.
Então, vamos viver o presente de Deus e “carpe diem” (aproveite o dia)!
IMPORTANTE
Este é um dos muitos textos sobre recuperação da dependência química e do álcool que escrevi durante os 20 anos de minha caminhada rumo a sonhada sobriedade. Não sei se alcançarei, sobriedade é muito mais que parar com o uso do álcool e das drogas, mas estou no caminho certo. O projeto é um livro, ele vai sair, se possível, lançado na Feira do Livro de Canoas ainda este ano.
Por enquanto, todos os domingos irei colocar um dos textos em nosso site, se ajudar alguém que estiver procurando ajuda, já estarei gratificado.
BOM DOMINGO PARA TODOS!
Uma Resposta
Excelente texto Marco. Um depoimento que, com toda certeza, irá sensibilizar muitas pessoas que enfrentam essa doença. És um farol iluminando um caminho possível de trilhar. Não se trata da cura, bem sabes disso, trata-se de voltar à vida, à família, aos amigos ainda que esse espectro esteja sempre rondando. Enfim, parabéns pelas palavras vindas lá de 2005, com essa delicada e emotiva homenagem ao teu pai. Abraços meu amigo!