O desfile da Victoria Secret, aquela marca de lingeries que fez sucesso através das Angels, voltou a causar burburinho no mundo da moda. As polêmicas, porém, ultrapassam o universo fashion e chegam no dia a dia de todos com abordagens que podem e devem ser revistas atualmente.
Os corpos de modelos jovens, magros e considerados muitas vezes irreais voltam a ser polêmica.
Na passarela, modelos de corpos mais próximos da realidade das pessoas trazem aconchego no coração de quem assiste, mas ainda geram inquietação, afinal, quando os rostos delas entram em cena, fica evidente ainda a distância existente entre as modelos e nós mulheres “comuns”.
“Elas parecem ter a mesma cara”, disseram.
Se as mulheres que não trabalham com a sua imagem sofrem pressões sociais para não envelhecer, imagina as que vivem disto e que o próprio corpo e imagem são o seu trabalho?
Há de se diferenciar a cobrança que é feita para uma cantora, como a Rita Lee, que escolheu apenas se deixar envelhecer e não buscou a tal fonte da juventude eterna, pois dela esperavam música e voz.
Há de se diferenciar o envelhecer de Fernanda Montenegro, que possivelmente “se cuidou” (expressão utilizada por muitos para expressar uma aparência mais jovial) e que mesmo “se cuidando”, o tempo fez aquilo que o tempo faz com todos: nos envelhece. De Fernanda, esperamos boas atuações e personagens bem representados.
O que se espera de uma modelo? Pense sobre o que esperamos de uma modelo e quantas vezes nós mesmos não aceitamos ver modelos envelhecendo?
Estamos sempre falando sobre a mudança que queremos ver no mundo, mas basta uma foto nas redes sociais no qual o famoso permite a passagem do tempo de forma natural, para, entre amigos, debatermos o quanto tal pessoa está velha ou velho. Utilizamos a expressão “malcuidado”, “desleixado” e por aí vai.
Os profissionais que pensam possuir a fonte da juventude são os que atualmente impõe um envelhecer antinatural, com expressões como “prevenção do envelhecimento” e “envelhecer bem”.
Lembro da minha avó, linda aos seus 80 anos, com um envelhecimento lindo também, digno dos seus 80 anos.
A questão não é o que está na passarela, a questão é o que esperamos de quem está na passarela. Assim como se a voz da Rita ficasse diferente após determinada idade, questionaríamos a sua música e se a Fernanda passasse a atuar sem veracidade, também.
Vi uma fala da Claudia Raia que dizia que ela tinha outros projetos profissionais além de ser atriz e dançarina, pois o mercado já se voltava para outros papéis.
A questão sobre as Angels é que a profissão delas é ser modelo, e é natural que ao subir na passarela a gente, acostumado ainda com o padrão antigo das modelos, espere as imagens que simbolizam ainda este universo.
A mudança do que esperamos de uma profissão chamada modelo mudará quando as novas gerações de modelos subirem na passarela, com mulheres baixas e altas, com todos os formatos de corpo e tipos de rostos, e ainda assim, apresentarem roupas com a mesma habilidade que as modelos do passado, que eram exigidas fisicamente senão não estariam ali.
Lembro, quando trabalhei como modelo. A pressão pelo tamanho das roupas no mercado de moda era enorme. Eram as empresam quem ditavam o tamanho ideal para o desfile e a modelo tinha que caber ou estava fora.
E hoje, se o mercado de moda não mudar o olhar para quem ele faz as roupas, veremos dificilmente a “paz” que tanto falamos. A paz de ver uma profissão chamada “modelo” ser realmente modelo que traduz a realidade.
Acontece que, como todo mercado, ele tem fins lucrativos e para carregar bem uma roupa na passarela e para que ela venda mais facilmente, esperasse que a modelo “carregue” com expressão aquilo que veste e não que tenha um corpo sem marcas ou um rosto sem rugas.
Saber carregar o que veste é saber conduzir a roupa como centro de atenção. Este é o princípio desta profissão. Todos os corpos podem fazer isto, não há dúvida, mas para isto acontecer, o mercado precisa querer vender para todos os tipos de corpos e não apenas para corpos magros e jovens.
A ditadura da beleza e da magreza começa no próprio mercado, depois penetra em nós consumidores, despertando não apenas o desejo pela roupa, mas sermos um pouco Gisele. Ao fazer isto, nós mesmo cobramos a tal beleza, magreza e juventude destas profissionais.
Se é mudança que queremos, não seria interessante mudarmos os nossos comentários sobre aquilo que vemos nos corpos alheios?
Ora, eu trabalho com imagem e dentro do rol de soluções apresentadas, também informo sobre quais procedimentos auxiliam os meus clientes a expressarem mais rapidamente aquilo que desejam com o seu corpo e imagem.
Somos feitos de imagem, mas mais do que nunca, somos uma expressão de nós mesmos. E gerenciar o envelhecimento é uma forma de nos aprisionarmos num tempo que ficou para trás.
Fazer uma aplicação de Botox numa ruga da testa não significa brigar com o tempo, apenas indica que queremos uma pele lisa, pois a pele lisa nos lembra que falta muito para o fim da vida. Ou ainda, será que é porque aquela ruga de braveza no meio da testa me lembra todas às vezes em que ficamos furiosos com o mundo? Ou a pele lisa diz que estamos nos cuidando como o mundo quer?
Por que será que passamos uma roupa antes de usar? Seria para não demonstrar descuido aos outros?
São tantas pequenas coisas que fazemos para não demonstrarmos aos outros o que somos e quem somos de fato, que a imagem se confunde com a aparência.
Queremos viver 100 anos, desde que prestes a morrer tenhamos um rosto e um corpo de 30 anos para que digam que a gente viveu bem?
Penso sobre isto todas às vezes em que uso meu tempo de vida em busca de alguma jovialidade. O quanto de vida dedicamos aos cuidados estéticos?
A pergunta que fica é: o que esperamos da profissão modelo? O que nós, pessoas comuns, que vivem uma vida cheia de afazeres, esperamos quando abrimos a rede social?
Penso que a gente também dita o caminho do mercado quando colocamos o nosso like na foto linda e editada de um influencer e não curtimos a foto trêmula e sem filtro do nosso amigo próximo.
Sejamos sempre a mudança que queremos ver no mundo.
E sobre envelhecer bem? Ah! Eu não consigo mão lembrar da minha avó Janina novamente. Tão linda e cheia de rugas, com o melhor abraço do mundo. Isso, sim, é envelhecer bem. Deixar como marca o calor de um abraço. Isso, sim, é eterno.
Michelle Manfroi
@avisagista