*Por Pinheiro Neto
A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro a mais de 27 anos de prisão não pode ser lida como uma decisão imparcial. O que vimos foi um espetáculo político travestido de processo judicial, marcado por vícios gritantes, parcialidade e o uso da lei como arma de perseguição.
Em qualquer democracia séria, a figura do juiz deve se pautar pela imparcialidade. O magistrado que julga não pode ser inimigo declarado do réu, não pode atuar ao mesmo tempo como vítima, acusador e julgador. No entanto, foi exatamente isso que ocorreu. O processo que culminou nessa condenação é tão cheio de nulidades que qualquer estudante do primeiro semestre de Direito se sentiria constrangido ao analisá-lo.
Na composição da Primeira Turma do STF, vimos claramente o desequilíbrio. Alexandre de Moraes, opositor assumido de Bolsonaro, conduziu o processo como relator, acumulando papéis que ferem a essência do devido processo legal. Flávio Dino, ex-ministro de Lula, comunista declarado e adversário político da direita, também votou pela condenação. Cristiano Zanin, advogado pessoal de Lula, hoje ministro indicado pelo atual presidente, seguiu a mesma linha. Carmen Lúcia, igualmente indicada por Lula, compôs a maioria.
O único magistrado de carreira, Luiz Fux, destoou do coro e deu uma verdadeira aula de Direito. Seu voto técnico deixou claro que o processo estava eivado de ilegalidades, que se tratava de um teatro jurídico armado para perseguir e inviabilizar o principal líder da direita no Brasil. A derrota por 4×1 não surpreendeu, mas o voto de Fux lavou a alma de milhões de brasileiros que ainda acreditam na justiça e no Estado de Direito.
Aqui entra uma questão fundamental: o Brasil é signatário de tratados e convenções internacionais de direitos humanos. Isso significa que, quando não há mais possibilidade de recursos internos, é legítimo buscar responsabilização no plano internacional. Não há violação de soberania quando organismos externos intervêm diante de flagrantes violações de direitos humanos; há, sim, a preservação da justiça. É justamente essa a essência do Direito Público Internacional.
A história nos ensina. No Julgamento de Nuremberg, após a Segunda Guerra Mundial, não houve espaço para alegações de impunidade. Anos depois, todos os envolvidos foram responsabilizados, porque o direito interno da Alemanha havia falhado. O paralelo é inevitável: quando cortes nacionais se transformam em instrumentos políticos, cabe à ordem internacional impedir que a perseguição substitua a justiça.
A condenação de Bolsonaro teve um objetivo claro: tirá-lo do jogo de 2026. Inviabilizar sua candidatura para abrir espaço a nomes alinhados ao sistema que hoje domina as instituições. No entanto, acredito que esse processo, eivado de nulidades, ainda será revisto pelo plenário do STF. Talvez não agora, mas em um futuro próximo, quando a pressão jurídica, social e internacional evidenciar essa farsa montada, o processo será anulado.
Muitas pessoas inocentes seguem presas em razão do teatro armado no dia 8 de janeiro. Alguns já perderam a vida cumprindo pena por um crime impossível. Não se pode condenar alguém que não preenche os requisitos básicos do tipo penal pelo qual é acusado. Isso constitui uma flagrante violação de direitos humanos.
O que se assistiu não foi justiça, mas perseguição. E a história, cedo ou tarde, cobrará esse abuso.
*Wolmar Pinheiro Neto, Empresário, Professor, Formado em Direito, Cristão e Conservador.
Uma Resposta
Amigo Marco, eu sei que você é democrático e que as opiniões nas colunas não refletem a sua opinião. Apenas acho que precisamos ter cuidado para não ajudar a divulgar mentiras de pessoas ignorantes ou mal-intencionadas como se fossem verdades.
No processo de oito de janeiro, a investigação foi conduzida pela Polícia Federal. A acusação foi feita pelo Ministério Público. A vítima é o Estado, ou seja, todos nós. Não existe nenhum magistrado que não esteja submetido ao Estado, portanto, não haveria como existir um julgamento em crimes nos quais a vítima é o Estado, que, diga-se de passagem, representa a maioria dos crimes previstos em lei. A suspeição do juiz por inimizade capital, conforme prevê a lei para reconhecer tal suspeição, não se trata de mera antipatia ou rusgas, mas de um ódio profundo que impossibilita a condução imparcial do processo. Sequer é possível reconhecer atos de réu contra Magistrados, só o contrário, pois bastaria que um réu ofendesse um Magistrado para escolher outro mais afeito às suas teses e a jurisprudência é pacífica no sentido de não acolher esse estratagema.
Não existe imparcialidade ao decidir. A obrigação é de imparcialidade na forma de conduzir o processo. Quando um magistrado decide, ele sempre desagrada e nunca é imparcial. O magistrado deve ouvir os argumentos das partes, deve proporcionar condições equivalentes para que as partes argumentem, conduzindo de forma equilibrada e imparcial o espaço de argumentação e, ao decidir, irá anuir aos argumentos de uma das partes ou a nenhuma delas, saindo da condição passiva de condutor e tomando a decisão com sua visão, suas crenças e seu convencimento.
O magistrado não é um ser alheio ao mundo; ele pode, inclusive, usar manifestações públicas em suas decisões, pois os atos notórios não precisam ser provados nos autos e podem fazer parte de um elemento de convicção apto ao convencimento do julgador. Dizer que o julgamento de Fux foi “técnico” porque ele seria o único juiz de carreira sem ligação com o PT não passa de mais uma narrativa mentirosa. Fux foi indicado pela Dilma. A ministra Carmem Lúcia é magistrada de carreira e Flávio Dino é magistrado federal, condição que exerceu por doze anos.
O ministro Fux julgou diversos processos relativos ao oito de janeiro e foi vencido na questão da competência do STF para julgar o caso desde o início. O filho do ministro Fux, Rodrigo Fux, da Fux Advogados, advoga para empresas ligadas a Flávio Bolsonaro. O ministro Luiz Fux, na condição de plantonista do STF, deu uma liminar para brecar todas as investigações criminais do MP do Rio que resvalam em Flávio Bolsonaro.
Rodrigo Fux é diretor jurídico da Federação Israelita do Estado do Rio, entidade que em seu site coloca a foto de Luiz Fux como ilustração de seu canal de TV online. Na véspera da liminar pró-Flávio emitida pelo pai, Rodrigo entrou com uma ação na Justiça, em nome da Federação, contra um chargista do jornal carioca O Dia. O chargista Aroeira desenhou Jair Bolsonaro e o premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, de braços dados em formato de suástica nazista.
Rodrigo é também advogado do Conselho Nacional de Praticagem (Conapra), que defende os práticos, categoria que funciona como uma espécie de guia para navios “estacionarem” em portos. Os práticos já foram uma atividade restrita à Marinha, cobram o que querem, algo em torno de 100 mil reais por serviço. São questionados na Justiça por donos de cargas cansados do que consideram exploração.
Vários dirigentes de empresas ou entidades de praticagem doaram recursos para a campanha de Flávio ao Senado. Moacyr Antonio Moreira Bezerra, da Federação dos Práticos, doou 55 mil reais. Gustavo Henrique Alves Martins, do Conapra, Evandro Simas Abi Saab, da Praticagem da Barra, e Dhyogo Henryque Scholz dos Santos, da Baía do Marajó Serviços de Praticagem, doaram 10 mil cada.
Marianna é outra filha de Luiz Fux. É amiga de Gustavo Bebbiano, que foi secretário-geral da Presidência. Juíza do TJ do Rio, foi sócia de Bebbiano em um escritório de advocacia no passado. Na casa do dono desse escritório, o famoso Sérgio Bermudez, o pai de Marianna presidiu certa vez um casamento. O noivo era o empresário Paulo Marinho, que é o primeiro suplente de Flávio Bolsonaro no Senado.
Registre-se que Marinho é outro personagem complicado em volta de Flávio Bolsonaro, além de Fabrício Queiroz. Ele declarou à Justiça Eleitoral em 2018 ter 752 mil reais em bens, mas nenhum imóvel. Estranho. Em 2015, foi acionado nos tribunais de Miami por um ex-sócio, Nelson Tanure, em uma disputa por dinheiro. Tanure alegava que Marinho era proprietário de imóveis por lá. Em outubro de 2018, a Justiça decidiu que Marinho podia ser processado em Miami, por ser morador de lá, dado que ia com frequência à cidade. Isso foi suficiente para que ele e Tanure começassem a negociar um acordo.
Existem muitos outros fatos que poderiam ser analisados sobre o comportamento de Fux. As contradições dele sobre a tese da competência do STF são ridículas, especialmente se considerarmos a decisão dele sobre o desmembramento no caso do mensalão, quando Fux negou o desmembramento para José Roberto Salgado por ausência de foro privilegiado, ou no mérito, quando condenou centenas de pessoas que participaram do oito de janeiro; porém, em relação a Bolsonaro, alega não haver crime. O próprio Marcos do Val publicou um vídeo e depois apagou, confirmando que Fux havia recebido uma intimidação com ameaças do governo dos Estados Unidos, o que deve ter influenciado sua mudança de visão sobre a suposta inexistência de crime.
Vale explicar que a lei permite ao julgador determinar a cisão, ou seja, o processo pode ser separado e cada réu responder em momentos diferentes, quando isso for bom e útil ao processo. A regra é que todos respondam juntos, no foro mais privilegiado, para que nenhum réu perca o direito previsto em lei, ou seja, o benefício do foro privilegiado de um se estende aos demais. Tanto temos réu no núcleo golpista com foro privilegiado que o Congresso proibiu o julgamento do Deputado Alexandre Ramagem por alguns crimes. Nenhum réu das centenas que foram julgados pelo oito de janeiro foi julgado pelo Plenário do STF, pois isso inviabilizaria o andamento do Supremo. O julgamento do Plenário só deve ocorrer para réus que tenham pelo menos dois votos pela absolvição na Turma que julgou o caso, em Embargos Infringentes. Bolsonaro só teve um voto favorável, mas deverá entrar com recursos protelatórios para ficar mais tempo preso em casa.
Aposto que irá entrar com Embargos Declaratórios para suspender o prazo dos Embargos Infringentes. Depois, deve ingressar com os Embargos Infringentes, mesmo sabendo que não são cabíveis, apenas para arrastar o trânsito em julgado. Após a decisão que negar os Embargos Infringentes, deverá propor os últimos Embargos Declaratórios. Ou seja, o trânsito em julgado deverá levar ainda mais alguns meses; é muito provável que o processo não se encerre este ano. Todo esse tempo é bom para Bolsonaro, que terá a oportunidade de articular a anistia no Congresso em ano eleitoral, período em que o centrão se afasta das benesses do governo federal e busca votos.
A tal “ditadura da toga” deve acabar em mais uma pizza que servirá apenas para vitimizar criminosos, que usarão todos os direitos democráticos para voltar a atacar a democracia, e as narrativas mentirosas continuarão se propagando para tentar angariar votos para aqueles que defendem o golpe militar e o fim do sistema eleitoral. O que esperar daqueles que defendiam que “bandido bom é bandido morto” e hoje querem direitos humanos para defensores da tortura e do assassinato? Espero que essa guerra política não resulte em tempos sombrios como os que vivemos na década de sessenta e seguintes, pois nosso país não merece viver esse looping infinito, como se fôssemos cachorros perseguindo o próprio rabo.